sexta-feira, 22 de maio de 2020

O "Posto Ipiranga" e agenda moral do Coiso - apontamentos da reunião ministerial 22/04/2020

Olhando para essa reunião ministerial do dia 22/04 é possível extrair muitos elementos que fundamentam o sistema de crenças do governo federal em seus diversos braços.

Penso,me apoiando na professora Wendy Brown, que o governo Bolsonaro deve ser entendido dentro da ascensão de uma política antidemocrática no ocidente, ou seja, é necessário pensar as particularidades do contexto brasileiro, obviamente, mas deve entendê-lo dentro de uma onda mais ampla da escalada neoliberal.

Wendy Brown escreve sobre e dentro do contexto norte-americano sob governo Trump, porém busca elementos comuns para entender esses governos de extrema direita nas democracias burguesas. Tais elementos parecem ter uma particularidade histórica nessa direita ascendente (nova direita, alt-right e por aí vai), pois conjugam em suas práticas e discursos a demonização do Estado social e do político, favorecimento do capital, repressão ao mundo do trabalho, ataque às igualdades, exaltação da "liberdade", moral "tradicional", populismo antielitista, nacionalismo. São contra a ciência, rejeitam afirmações amparadas em fatos, argumentos racionais. Isso marca uma diferença em relação aos regimes fascistas, autoritários e conservadorismo de outras épocas.

Há um foco em formulações neoliberais de liberdade que legitimam a extrema direita para mobilizar suas exclusões e violências de uma estrutura branca, masculina e cristã, para além da expansão do capital. Se posicionam contra a justiça social pois ela seria tirânica e acabaria com o tecido moral da sociedade.

O mercado e a moral ganham enorme centralidade sendo responsáveis pela provisão e necessidades humanas. Vejam a reforma de previdência que representa a privatização da seguridade social, ideias de que a educação e o cuidado caberia às famílias e não ao Estado,etc. Há uma responsabilização dos indivíduos ou, para esses neoliberais, da família, entendida como átomo fundante do espaço social.

A moralidade tradicional ( e nesse balaio cabe tudo que tem de mais retrógrado no Brasil colonial) é intimamente ligada ao neoliberalismo. Toda política social ou luta por justiça social (contra opressões de gênero, raça, classe, etnia, sexualidade) são vistas como ataques à liberdade e à tradição. Qualquer atuação do Estado no lócus do social significaria ataque à liberdade individual, mesmo para corrigir injustiças históricas. Basta pensar nos ataques do Weintraub aos povos indígenas que em sua fala buscam "privilégios", ao combate do que chamam de ideologia de gênero que buscaria acabar com a família e a uma série de crenças que se inserem nesse rol da branquitude, do masculinismo e de um discurso cristão, cujas crenças compoem grande parte da base bolsonarista.

Mercado e moral são base da liberdade e da ordem. Princípio de mercado se tornam princípios de governo. Aqui cabe uma paralelo à farsa fiscalista e a citações de que a pasta econômica deve agir pela mesma lógica da economia doméstica/de casa. Bom ressaltar aqui também a associação do governo ao gestor/empresário.

Isso é Friedrich Hayek, um dos maiores representantes da escola austríaca do pensamento econômico neoliberal e fundadores da Sociedade Mont Pelerin em 1947. Suas ideias tiveram terreno fértil e foram usadas como laboratório no Chile de Pinochet, o famoso "posto ipiranga" do Bolsonaro. É um projeto político-moral que visa proteger a tradição, negando o social (lembrem-se do discurso da M. Thatcher "Essa coisa de sociedade não existe") e restringindo a atuação da democracia no Estado.

É osso porque precisa ter estômago para ler esses neoliberais com Hayek, Milton Friedman, os ordoliberais, mas ali vão aparecer algumas chaves de compreensão para irracionalidade que é o governo Bolsonaro.

sábado, 16 de maio de 2020

Big Brother Bolsonaro

Ontem, dia 15/05/2020, fomos surpreendidos, mas nem tanto, pela saída do empresário zumbi - Teich - do Ministério da Saúde. 
Analisar e acompanhar o governo do Coiso não é tarefa fácil, muitas vezes a racionalidade não dá as caras, e ficamos num malabarismo de tentar analisar conjuntura e intenções. Cientista social devia receber adicional de insalubridade...

Nem ele aguentou os piti do Coiso, ele fez um discurso apressado, em cima do muro, nada carismático. O que já se esperava desse ministro, olhando pra esse quase um mês a frente da Saúde e a sua não comunicação com a população em geral sobre dados do covid-19.

Aparentemente rolaram várias divergência, algo inaceitável pro Bolsonaro pois seu rebanho (equipe) não é escolhida para pensar mas sim pra rosnar as mesmas palavras e ideias que vem de seu pastor. Essa semana Teich foi constrangido publicamente numa coletiva na qual foi informado que Bozo havia autorizado salões de beleza e academia como atividades essenciais. 

Entrou temporariamente o general Eduardo Pazuello, 02 das pasta da Saúde, especialista em tarefas administrativas e logísticas. Mais um milico que não domina os instrumentos de trabalho da Saúde pra fazer uma gestão tão importante no momento.

Além do isolamento, a cloroquina também é um dos motivos de divergências. Teich fala que é necessário olhar com cuidado pra o medicamento, pois há efeitos colaterais, se faz necessário acompanhamento médico, etc.  Bozo já defende o uso indiscriminado, dizendo que apresenta ótimos resultados (muitas pesquisas científicas indicam contrário), reproduzindo a letra o discurso de seu dono - Trump. Teich pulou fora pra manter a sua carreira, governo Bolsonaro uma hora acaba, a carreira de médico oncologista permanece. 

No meio da pandemia, com número de mortes diárias acima de 800, o grande aliado da pandemia é o governo Bolsonaro. 

Mais de 70 mil militares receberam auxílio emergencial  de 600 reais indevidamente. 70 mil! E Bolsonaro fala em suas lives que foram apenas alguns, enquanto isso o povo se aglomera nas filas da caixa.

Guedes continua defendendo a agenda fiscalista o de teto dos gastos desprezando totalmente a realidade brasileira. 

Sobre as denúncias do ex ministro Moro, a base de apoio bolsonarista foi cindida: de um lado lavajatistas e de outro os que apoiam incondicionalmente o Bolsonaro.
Pra esquivar de um possível impeachment Bolsonaro já comprou parte do centrão nessa empreitada, buscando isolar Rodrigo Maia.

Enquanto isso, a agenda de Bolsonaro segue na "normalidade", como se nada tivesse ocorrendo. Weintraub, desministro da educação, prepara o Enem mais excludente já visto, dizendo que o exame não serve pra corrigir desigualdades e que os melhores passarão.

Quem é o próximo no paredão do Big Brother Bozo? Sem querer hierarquizar desgraça, mas se o Guedes caísse e a farsa fiscalista já ajudaria, mas como se ouve por aí, se o Guedes sair do barco ele não tem outro para entrar.


sábado, 9 de maio de 2020

Escritos Contra Marx (1875) de Mikhail Bakunin


Nesta resenha pretendo fazer uma sucinta apresentação do texto “Escrito Contra Marx” que é um fragmento que compõe a continuação do Império Cnuto-germânica de Mikhail Bakunin.  
Bakunin vai dedicar este livro ao debate travado no seio da AIT entre socialistas antiautoritários e socialismo autoritário, personificado na figura de Marx, trazendo a grande polêmica em torno da obrigatoriedade do programa de conquista do poder política estabelecido na AIT no Congresso de Haia. Além de ser um texto que suscita esse debate importantíssimo e que tem implicação na política contemporânea entre marxistas e anarquistas, Bakunin faz uma análise “psicológica”, assim digamos, do personalismo em torno de Marx e uma defesa da ala de socialistas antiautoritários na AIT.
Bakunin inicia o texto falando o porquê da criação da AIT e seu objetivo que são respectivamente: a exploração burguesa é solidária internacionalmente, logo a organização dos trabalhadores contra essa exploração também deve ser; a AIT é uma associação de internacional que luta pela emancipação econômica dos trabalhadores e essa emancipação só pode ser obra deles próprios.
Ele aponta isso para fazer a crítica a Marx na sua imposição de um programa político de conquista do Estado, via eleições burguesas, como obrigatório na AIT, algo que está intimamente ligado a autopromoção da figura do Marx. A grandeza e amplitude de militantes na AIT reside no fato de a emancipação econômica ser a unidade que abarca trabalhadores de todo o mundo, a obrigatoriedade do programa política é cindir isso, da mesma forma que seria estabelecer uma obrigatoriedade religiosa.
Marx e Engels colocam a conquista do poder político como o primeiro dever dos trabalhadores, segundo circular de 1864. Marx, nesse sentido, estimula a formação do partido social democrata Alemão, pois compartilham desse entendimento.
O Congresso de Genebra (1866) rechaça qualquer obrigatoriedade de princípios políticos e/ou ideológicos. O mesmo acontece no Congresso de Lausanne em 1867 e de Bruxelas em 1968. Três anos consecutivos de perda de proposta. Em 1869 as condições pareciam favoráveis a Marx no Congresso de Basiléia, pois havia se organizado com a seções da Suíça Alemã, Zurique e Basiléia e os delegados da Alemanha estavam em peso. Perderam novamente.
Em 1871 no Congresso de Londres Marx já havia arquitetado tudo com antecedência, pois era do Conselho Geral, e aprovou-se a questão política e a conquista do poder pelo proletário. No Congresso de Haia em 1872 que a manobra de Marx foi concretizada.
Bakunin diz que nenhum programa político uniforme poderia dar conta de contemplar os proletários da Europa à América em condições de desenvolvimento econômico, temperamento, e de cultura tão diferentes. Se acreditarmos que o programa política deve entrar na AIT ele deve ser apenas um, pois de outra forma haveria tantas várias Internacionais dentro da Associação. Para ser uno tem de vir de cima para baixo, foi o que ocorreu no Congresso de Haia. Aí coloca-se o dilema: Ou unidade com escravidão; ou liberdade com divisão e dissolução.
Qual saída? A saída disso seria voltar aos estatutos primeiros e dissolver a obrigatoriedade política, deixando na responsabilidade de cada seção seguir a direção que quiser, pois aí a unidade política surgirá, não da cabeça de um douto, do socialismo científico, de uma mente ambiciosa, mas da ação livre dos trabalhadores de todos países.
Um programa político só faz sentido se sai das generalidades e determina bem as instituições que pretende instituir no lugar das que vai derrubar. O programa do Marx é centralizador, composto por um governo muito forte, gerida por uma camada de proletário semi burgueses, mais civilizada sobre a maioria de lumpemproletariado (camadas mais pauperizadas – na qual Bakunin aposta ser protagonista da Revolução Social).
As massas desejam a emancipação econômica, porque é aí que reside a liberdade para elas, além da unidade da exploração e das dores cotidianas. As massas se uniram na AIT porque compartilhavam a miséria, a exploração, o sofrimento sobre o julgo do capital e da propriedade privada e aí cabia uma luta solidária.
Mas por que o programa de Marx? Porque Marx tentou personificar a AIT em sua figura, como representativa legítima e fidedigno da Associação.
A Aliança, seção da AIT, da qual Bakunin faz parte, junto com outras seções (suíça, espanhola, italiana, francesa) defendem a abolição desse programa político.
Seria proibido ocupar-se de questões políticas e filosóficas na AIT? Nada disso, impossível. Ela não deve ser imposta como obrigatória, deve vir da discussão vida dos trabalhadores e do mundo do trabalho. Isso se daria dentro da própria AIT – política negativa – pela unidade da emancipação econômica que comporta um argumento de dois níveis: a) proletário entra na Associação destruindo fronteira políticas dos Estado, patriotismo e b) acentua a separação trabalhador e burguesia, pois se coloca fora do jogo da política burguesa e se coloca contra ela. AIT colocada fora do mundo burguês estabelece a solidariedade internacional entre trabalhadores.
Todas questões políticas e filosóficos teriam como ponto de partida a reivindicação econômica, caso das caixas de resistência e solidariedade das greves, pela federação internacional dos corpos de profissão e pelo desenvolvimento espontâneo das ideias filosóficas.
Bakunin vai discorrer sobre as caixas de resistência que tem como objetivo criar fundos necessário para as greves, tornando-as possíveis. As greves têm importância em dois aspectos: despertam antagonismo de classe, fortalecem, agitam as massas e criam a solidariedade entre trabalhadores. O autor vai mostrar porque os radicais e socialistas burgueses são contra as greves, pois, defendem a conciliação de classe e um Estado unitário, republicano e democrático. Para isso é preciso derrubar o que já existe, levantando entre as massas ideias de patriotismo com o intuito de instrumentalizá-los. Essa ação é feita com a burguesia.
O socialista antiautoritário aqui traça um paralelo entre Mazzini e Marx, com ênfase na ideia de Marx de que talvez na Holanda a questão social possa ser resolvida de forma amigável, legal e sem luta e que a emancipação só pode ser feita via Estado centralizador, com governo muito forte. Bakunin brinca afirmando que Mazzini crê em Deus e Marx crê em si mesmo.
 Após isso, o autor faz um elogio da liberdade, enquanto direito político, na Inglaterra e EUA, coisa que achei no mínimo curiosa. Busca explicações disso no temperamento e hábitos sociais desses povos, afirmando que apenas estes têm consciência política.
O socialista antiautoritário se pergunta, como esperar essa consciência de um povo? Pela propaganda? Não. A consciência é fruto do desenvolvimento espontâneo das condições de vida. Pode-se estimular a consciência que já tem e que não está latente, mas não dar o que não possuem. Nas massas o que pode constituir essa consciência é a revolta, a qual é instinto da vida.
Então a consciência política é diferente para classes privilegiadas e massas. As massas têm a consciência na revolta contra o Estado, porque estas são esmagas, humilhadas, transformadas em rebanhos.
Aqui os Marxistas vão dizer que o Estado não é responsável por essa condição, mas é uma condição inevitável do desenvolvimento econômico, que para eles do ponto de visto histórico é um avanço, pois o Estado militar e burocrático é um acompanhamento obrigatório da revolução – condição sine qua non.
Nós reconhecemos, diz Bakunin,  a lógica dos eventos, mas não os louvamos, pois defendemos o triunfo da liberdade e o pleno desenvolvimento material, intelectual e moral pela organização livre e espontânea e da livre solidariedade econômica e social.
Essa crítica de Bakunin toca um assunto polêmico que é a possível teleologia em Marx. O militante antiautoritário aqui traz alguns exemplos históricos dessas concatenação de fatos históricos consolidados e sua defesa de denunciá-los. Ele cita condições sociais e políticas de alguns lugares: Grécia/roma, cristão/pagão, Renascença/ Império Italiano, analisa a França no conflito entre protestantes e católicos, cuja a vitória dos católicos foi vista por alguns políticos e historiadores fatalistas como avanço para a revolução, pois o catolicismo era o Estado, democracia, e o protestantismo representava a revolta da aristocracia contra o Estado,democracia (aqui se aproxima de Hegel: protestantismo religião da razão). Esse é um sofisma idêntico aos marxistas ao considerar tiranos como possíveis emancipadores.
Bakunin, em acordo com o Sr. Veuilot – intelectual defensor católico -  diz que é mais verdadeiro considerar a semelhança entre a noite de São Bartolomeu e o massacre dos communards, posto que o protestantismo, não como teologia calvinista, representava revolta, liberdade, humanidade, enquanto o catolicismo era ordem da Igreja e Estado, escravidão sem limite e fim. Bakunin diz que era um fato consumado inevitável, mas não deixa de dizer que foi infelicidade para humanidade.
Bakunin diz que esses patriotas não percebem que um povo que suporta a todo custo a tirania se acostuma a ela e perde instinto de revolta. Conforme debatemos no último encontro parece haver em Bakunin um instinto imanente a revolta, mas nesse texto ele vai explicitar que a compreensão dele de instinto tem a ver com condicionamentos histórico-sociais, como veremos mais a frente.  Aí ele cita que a queda do protestantismo na França fez com que o povo perdesse o que ele chama de consciência política. Isso após os grandes dias revolucionários (creio eu que esteja falando da Comuna de Paris).
Aqui entra a questão da partilha da Polônia. Marx aqui denuncia como crime e Bakunin está de acordo. O que Bakunin se pergunta é porque Marx avalia a partilha da Polônia sob o seu olhar humanista e não pelo fatalismo histórico? Porque Marx é um ardente patriota e assim como Bismark deseja um Estado pangermânico, porém por vias diferentes. Essa concretização encontro 3 obstáculos: a) rivalidade dos dois maiores Estados Germânicos: Áustria e Prússia; b) inveja da França; c) Ameaça do Império da Rússia que se coloca como protetor dos povos eslavos contra Alemanha.
Os dois primeiros obstáculos foram de certa maneira resolvidos pela Bismark. Áustria, que não soube germanizar os eslavos em seu domínio, saiu como perdedora no conflito com exército da Prússia. Sobre a França, Bismark e Marx sabem que antes de iniciar um conflito entre Pangermanismo e o pan-eslavismo sob a figura do Czar é necessário para acabar com a França. (por uma aliança tática).
França encontra-se enfraquecida, mas não derrotado e não esqueceu as baixas que levou da Alemanha. Ela buscará revanche seja por conflito entre Estados ou por Revolução Social que derrubará tanto Estado Francês quanto Alemão. Bismark está ciente disso e por isso mantem aliança com Czar.
Bismark é um político muito esperto e sabe que na política não há amizade, assim ele vai mantendo a proximidade com o Czar, até o momento de liquidar o Império Russo.
Marx é sucessor da política de Bismark, pois seu confidente, Engels, escreveu para Bismark saudando-o pela causa que faz a revolução social.
O que os separa é a forma e condições do governo. A distinção de Bismark e Marx é que o primeiro é aristocrata e monarquista enquanto o segundo é democrata, socialista autoritário e republicano.
O que os une? Culto ao Estado. O Estado é condição necessária para prosperidade de um e emancipação do outro.  Bismark evidentemente é homem de Estado. Marx também, tanto que quis instaurar um governo na AIT, no estatuto de seu partido Alemã está nítida a necessidade de um grande Estado Popular.
Quem fala em Estado quer dizer Estado particular, limitado, e não universal. Marx governará um Estado e existirão outros. Isso inevitavelmente significa inveja, guerra, concorrência, porque é da natureza do Estado romper solidariedade humana. Isso é ruptura com a moral e razão humana universais, pois há uma moral e razão de Estado que é o patriotismo.
Para conservar o Estado precisa de força externa e internamente. Deve cuidar do pensamento e atos de seus súditos para que não surjam inimigos internos. Até a existências das forças armadas será necessário controle da educação, censura, instrução, polícia, correntes de opinião (meio de comunicação fazendo um paralelo). É impossível um governo atender as vontades universais – a vontade do povo - , a menos que seja dotada de onisciência, onipresença e onipotência, brinca Bakunin. Sempre haverá descontes porque haverá sacrificados.
Essa abstração de representar a vontade do povo sempre existiu, na igreja chama-se Clero e no Estado é a classe dominante.
Marx afirma que em seu Estado não haverá nenhuma classe. Bakunin diz que prometem isso, mas haverá um governo, que vai administrar as massas politicamente e fazer gestão econômica (concentrando produção, repartição de riquezas, terra, desenvolvimento das fábricas, comércio e por ai vai). Será um governo da inteligência científica, o mais aristocrático e despótico. Haverá uma minoria dominando em nome da Ciência por cabeças transbordantes de cérebro e uma imensa maioria dominada.
Como Marx lida com a contradição de seu pangermanismo e sua luta pela emancipação dos trabalhadores de todo o mundo? Convencer e persuadir a sai mesmo e outros de que a emancipação do Estado Alemão é a condição máxima de emancipação de todo mundo.
Bakunin diz que essa ideia não é nova e se remete a concepções da criação de uma grande pátria alemã fundada sob dominação dos eslavos que habitam a Prússia.
O autor volta a pensar a cultura alemã e diz que unicamente aí o protestantismo foi religião do despotismo, pois a obediência e resignação são virtudes de súditos e estão no povo alemão.  No império Cnuto-Germânico Bakunin vai mostrar com a nação alemã estava na total escravidão e obscurantismo ao longo da idade média. Embora tenham acontecidos levantes camponeses, durante reprimidos e condenados.
Marxistas e burgueses radicais dizem que essas revoltas camponeses representavam a reação e que era preciso reprimi-las. Camponês só faz reação, revolução como tal é civilizada, científica. Os camponeses foram derrotados pelos nobres. Ai que se desenvolve o fortalecimento do Estado militar e burocrático como pretensamente progressista e revolucionário.
Os camponeses esmagados, dizimados, na miséria e sob o dogma cristão não se insurgem mais. Alemanha se tornou assim paraíso dos tiranos, da submissão, por 3 séculos. Caída numa mediocridade intelectual e material, os consolos vinham da religião cristã. Isso marcou passagem da idade média a era moderna na Alemanha.  
Bakunin resume esse período do feudalismo a essa nova força do capital nas palavras: empobrecimento, mal-estar material, fraqueza intelectual e moral. Alguns escritores, patriotas, atribuem isso a guerra de 30 anos (1618-1648 – série de guerras de diversas nações europeias motivas por razões territoriais, comerciais, religiosas), na qual Alemanha foi duramente atingida.  Mas, Bakunin pergunta, qual outro país não passou por coisas semelhantes? Da morte de Lutero (1546) até primeiros escritos de Lessing (1750) houve uma interrupção do pensamento intelectual e vida moral.
A teologia luterana dominava, o direito pregava poder absoluto do soberano, era uma pátria de tiranos, composta por lacaios. Além da teologia e do direito, havia a ciência a serviço do Estado (diplomacia, administração, finanças), embora não houvesse exatamente um Estado Alemão, mas sim infinidades de Estados, com Áustria na frente.
Bakunin diz que a burocracia surge e se fortalece na Alemanha, inclusive é onde se tornou ciência e arte. A diplomacia, embora tenha surgido na Itália, também ganha terreno fértil na Alemanha.
                Bakunin volta a pensar Estado e se apoia em Maquiavel – Estado só existe pela violência e não é outra coisa que violência sistemática impostas as massas. Estado é colocado como objetivo supremo, na qual todo humano deve se sacrificar e os crimes cometido no interesse do Estado se tornam virtudes.
                Conclusão de Bakunin é que nenhum povo, diante de quadro de século, pode ficar indiferente aos condicionamentos. Por isso a unificação alemã só poderia ser realizada via Estado e não pela mobilização popular. A unificação apenas viria da absorção violenta de um Estado Forte, pois só uma pequena fração da burguesia radical vai para luta. Para fundar um grande Estado, unitário, as massas precisariam primeiro destruir os pequenos Estados.



segunda-feira, 4 de maio de 2020

Resenha crítica "Pode o Subalterno Falar?" de Gayatri Spivak

Bom dia,boa tarde,boa noite!

Como estamos nessa quarentena? É muito zika desse desgoverno, mas podepá que tá pirigando cair.

Então, hoje vou fazer uma resenha crítica do famoso, ou nem tanto, livro "Pode o Subalterno falar?" da professora Gayatri Spivak. 

O livro é um das referências dos estudos pós-coloniais e foi publicado em 1985 no período Wedge com o subtítulo "Especulação sobre o suicídio das viúvas". É um texto bem sui generis porque mescla um marxismo heterodoxo com teorias culturais. 

A princípio gostaria de compartilhar minhas impressões sobre a obra. Trata-se de um livro de grande rigor teórico e epistemológico, que estabelece a ruptura com a tese do "Outro" enquanto objeto de conhecimento. A solidez argumentativa de Spivak te mantém refém ao texto, assim com sua reflexão sobre os dados empíricos indianos, em particular a autoimolação das viúvas. 

Muitos cientistas sociais acusam a autora de fatalismo. Concordo em partes com essa acusação, pois há alguns apontamentos de saídas para se "produzir" o sujeito subalterno. Apontamentos tênues, complexos, às vezes evasivos, mas há. Enquanto intelectuais temos que assumir que não é um trabalho fácil.
O papel do intelectual, cujo o assunto abordarei mais a frente, é visto como um campo imbrincado numa tensa relação entre colonialidade e agenciamento. Aqui, para verem como não sou sectário, me aproximo da concepção de Gramsci de "Intelectual orgânico". Embora não esteja alinhado a essa concepção, gosto de ampliá-la e tensioná-la. O papel do intelectual, aí incluindo nós cientistas sociais, não é tirar linha política descolado de um contexto orgânico e/ou em seu "gabinente", mas compor, atuar e estar junto, pensando a relação entre teoria e prática. Mas,entretanto, contudo aqui entramos em outro debate, peço licença pela pequena digressão. 

Retomando.

Spivak vai destinar este livro aos intelectuais pós-coloniais, principalmente aos pós-estruturalistas franceses e pensar o lugar das mulheres no regime colonialista e patriarcal (aqui uso um termo não utilizado pela autora, mas não consigo elaborar um melhor agora).

No que diz respeito ao primeiro grupo, a teórica vai se debruçar na obra de Foucault e Deleuze "Os intelectuais e o poder" de 1972 para fazer uma crítica que abrange os estudos pós-coloniais em geral.
Spivak diz que a defesa do subalterno pelos intelectuais amiúde tem como plano de fundo a cumplicidade em relação aos interesses do Ocidente - o que ela chama de Ocidente como sujeito. 

Destrinchando esse texto, os pós-estruturalistas franceses veem uma relação continuísta entre poder/desejo/interesse e afirmam que o papel do intelectual é "revelar" e conhecer o Outro. Eles trazem a figura de um Maoísta e da luta dos trabalhadores - como o Outro - e ambos são caracterizados como monolíticos, na qual a luta estaria vinculada ao desejo.
Nessas formulações eles desconsideram o papel da ideologia e a divisão geopolítica, posto que interesse e desejo seriam indiferenciados, interesse se realiza no desejo e desejo se realiza no interesse. A experiência concreta do Outro é a realidade, então caberia ao intelectual pós-colonial "revelá-la", solidificando essa divisão internacional do trabalho. 

Marx no 18 Do Brumário detalhou que interesse e desejo são distintos mas coabitam o mesmo espaço. Exemplo, interesse de classe seria coletivo, impessoal, sistemático ao passo que o desejo não o é. 

Isso toca diretamente a não compreensão das duas dimensões do termo representação por parte dos autores franceses, as quais são: a) dimensão política de falar por, espécie de delegação, procuração b) dimensão artística ou filosófica de re-apresentação, encenar, espécie de retrato, imagem.

Foucault e Deleuze recusam a estrutura de signo e significante do termo representar, impedindo o aparecimento de teoria da ideologia. Os intelectuais seriam transparentes, eles apenas deixariam a fala, ação e conhecimento dos subalternos se tornar visível. O problema dessa construção para Spivak é que ela é essencialista e utópica. 

O processo de falar é dialógico, pressupõem um falante e um ouvinte. O subalterno não pode falar, e se por acaso vier a falar ele não pode ser ouvido. Esse processo dialógico não se concretiza para o subalterno. A fala do subalterno sempre é mediada por alguém que a reivindica por ele. 

Adentrando especificamente no caso da mulher indiana a situação se agrava, pois há o peso do colonialismo e do patriarcado (lembra a observação que fiz). A mulher indiana é duplamente obliterada pela codificação britânia da lei hindu e sua violência epistêmica.

Olhemos para as insurgências coloniais e o lugar da mulher nesse contexto colonial. O sati, isto é, a autoimolação da mulher indiana na pira funerária do marido, foi proibido pela lei Britânica em 1829 através do enrijecimento escrito e atropelamento colonial da lei hindu. 

Aqui o ponto não é avaliar se é moralmente aceita a prática ou não, seguramente não o é. O ponto é entender ordens institucionais em jogo para as explicações do agenciamento ou não das mulheres indianas. Em traços gerais havia duas explicações: da coragem das mulheres que se matavam porque de fato queriam - discurso destinado a elite indiana nacional muito próxima da mentalidade inglesa - e o outro seria da sentença elucidativa da colonialidade "homens brancos salvavam mulheres de cor de homens de cor". 

Em nenhum momento ouvia-se as mulheres, logo a resistência das mulheres indianas era revelada pela lei britânica e pela "justiça" dos ingleses. 

Para finalizar, expus acima que não concordo totalmente com as acusações de que Spivak neste texto seria fatalista. A proposta que eu vejo é de que o intelectual pós-colonial deve estar atento a geopolítica do poder, que inclusive nos atravessa, e nosso papel é criar espaços/meios para o subalterno falar e ser escutado. Isso nos leva diretamente ao título livro, parafraseando Grada Kilomba, e a necessidade de sua reformulação para "Pode a Subalterna Falar?". 



quinta-feira, 30 de abril de 2020

Capitalismo em Debate: Uma Conversa na Teoria Crítica - (Capítulo 2)


FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em Debate: Uma Conversa na Teoria Crítica. 1. Ed., São Paulo: Boitempo, 2020.

Historicizando o capitalismo

Agora parte-se para conceituação do capitalismo como ordem social histórica, que se transforma com o tempo, com mudanças significativas em suas características. Ao entender o capitalismo como ordem social institucionalizada e argumentar como o primeiro plano está enraizado no plano de fundo, na reprodução social e na natureza isso leva as autoras a considerar a história, posto que essas condições são alteradas no tempo.
Para tanto, Frazer distingue duas questões a respeito do capitalismo e da história. A primeira seria os regimes de acumulação na diacronia da história e a segunda as variedades sincrônicas dos regimes que coexistem na mesma temporalidade em contextos outros. O foco das autoras vai ser nos desdobramentos diacrônicos.
As noções de primeiro plano e plano de fundo são centrais para distinguir sociedades capitalistas e não capitalistas, posto que estas últimas não institucionalizam separação entre economia/política, natureza/sociedade, produção/reprodução.
Os “estágios” dos regimes de acumulação do capitalismo trazidos pelas autoras são os seguintes: capitalismo mercantil, capitalismo liberal, capitalismo administrado pelo Estado (ou social-democrata) e capitalismo financeirizado. O que nos leva de uma ordem social institucionalizada a outra? Frazer coloca que para responder isso é preciso fugir da explicação determinista e monocausal de que as relações sociais de produção de um determinado momento se tornam amarras para o desenvolvimento das forças de produção e propõe o seguinte: cada regime de acumulação lida com as tensões entre economia/política, produção/reprodução, natureza/sociedade de uma forma; essas tensões representam tendências a crise e surgem nas fronteiras, nas esferas da tênue linha entre primeiro plano e plano de fundo, além de estarem também na economia (queda de taxas de lucro, ciclos de crescimento-falência, desemprego crescente, etc).
As autoras adentram os quatro regimes na história pensando primeiro especificamente a relação economia e política. Logo de início Jaeggi afirma que é uma falácia separar Estado de Economia, como vimos, mas é igualmente falacioso dizer que a economia é independente do Estado.
                Elas começam pela fase mercantil do capitalismo, hegemônica do século XVI a XVIII. Nesta fase a economia era parcialmente separada do Estado, terra e trabalho não eram ainda de fato mercadoria e havia preponderância das normas econômico-morais nas formas de governar. Havia uma distinção entre mercado interno/externo, organizada pelos absolutistas, que regulava o comércio interno e o comércio com outras cidades. Isso começa a ser mudado com a imposição da lógica de valor internacional para estes espaços, fazendo aparecer novos espaços sociais/profissionais e mudando relações sociais entre proprietário de terras e dependentes. Estes novos espaços e relações deram base e estimularam o surgimento de um pensamento liberal.            
                Essas transformações econômicas e mobilizações políticas deram brecha a um outro regime - o capitalismo liberal. Nesse regime de acumulação os Estados Europeus têm protagonismo, com sua agenda de regular o comércio interno. Aparentemente a economia andava de maneira autônoma, livres de determinações políticas, sob o mecanismo “oferta-demanda”. O substrato desse novo regime foi uma ordem jurídica na qual predomina o contrato, o indivíduo livre, propriedade privada e uma pretensa separação entre setor público/Estado em relação ao poder privado do capital. O Estado aqui, cabe lembrar, teve papel na expropriação de terras e na transformação de populações em proletários, criando possibilidade de exploração do trabalho assalariado. Na periferia do capital, os regimes coloniais por meio do aparato militar pilhavam as populações locais, fomentando a um “Imperialismo de livre comércio” sob hegemonia britânica. A ordem institucionalizada de separar política e econômica gerou crises agudas, lutas de classes e revoltas anticoloniais, engendrando uma grave crise que foi resolvida nos rescaldo pós Segunda Guerra Mundial.
Pós Segunda Guerra temos o regime do capitalismo administrado pelo Estado que usa a poder público para amenizar crises. Investiu-se em infraestrutura, promove-se o pleno emprego e consumo, disciplinou-se o capital, os interesses subjacentes eram de assegurar acumulação de capital privado e arrefecer a revolução que se avizinhava. A crise desse regime surgiu por conta dos aumentos de salários, baixas taxas de lucro da manufatura, aí o capital se articula para liberar novos mercados e ao mesmo tempo surge uma nova esquerda.
Entramos assim no capitalismo financeirizado, que reformulou novamente a relação economia/política, fazendo com que o Estado fosse disciplinado pelos agentes privados. O Estado foi usado para construção de organizações transnacionais que dão poder ao capital. Em traços gerais a predação se dá por meio da dívida e austeridade. Esse regime é igualmente instável, o que culminou na crise de 2007-2008.
Há também um outro ponto a se destacar nesse novo regime que é o conflito entre mercados transnacionais e soberania territorial nacional. O impulso do capital é romper as barreiras nacionais, para tanto existem governanças transestatais, como FMI, Banco Mundial, OMS. São organizações que não prestam conta alguma e transcendem leis nacionais, estabelecendo leis para governos neoliberais no tocante a esferas de trabalho, proteção ambiental, dentre outras.
Junto com essa força neoliberal, surgia uma nova esquerda vias lutas pela descolonização, pela igualdade racial, libertação das mulheres que fazia severas críticas ao dirigimos estatal. Estes anseios convergiram com os neoliberais na liberação de novas forças de mercado e essa batida dupla deslegitimou o Estado social democrata.
Essa mudança de regime significou mudanças concretas nas vidas das pessoas e uma luta refem à centralidade do trabalho não abarcavas as demandas desses novos movimentos sociais. Aqui a história foi astuta, pois lutas por reconhecimento ganharam espaço fertilizando críticas neoliberais a esse Estado paternalista.
Fraser e Jaeggi neste momento do texto focam nas esferas e sua historização. A primeira selecionada é produção e reprodução. Na centralidade do capitalismo, o mercantilismo deixou os vínculos sociais quase intactos: regulados localmente pelo costume e igreja, extensão de rede de parentesco. Na periferia do capitalismo houve massacres de povos nativos, coma tentativa de aniquilar costumes e sociabilidade local. No capitalismo liberal o ataque a periferia do sistema continuou por meio da consolidação do empreendimento colonial. Na metrópole, entretanto, aconteceram muitas modificações, a produção econômica foi desacoplada da reprodução social e isso implicou em que as mulheres passaram a ter domínio da reprodução social na esfera privada e assim foram desenhadas as fronteiras de gênero burguesas. Esse regime liberal acentuou a contradição entre imperativos de produção e exigências sociais de reprodução que gerou uma crise que ensejou o capitalismo administrado pelo Estado.
No capitalismo administrado pelo Estado a contradição produção-reprodução fez com que a reprodução fosse levada para o poder do Estado. Socializou parcialmente a reprodução por meio das pensões para mais velhos e famílias pelo chamado “bem-estar social”. O Estado de bem-estar social, cabe frisar, foi resultado de conquista das lutas sociais, encabeçadas pela classe trabalhadora. Essa situação permitiu uma renda para as famílias e fez com que as mulheres se voltassem para esfera domésticas integralmente, no cuidado dos filhos e lar, institucionalizando a subserviência das mulheres e heteronormatividade. No capitalismo periférico o quadro não era esse, posto que continuam os saques e predações do sul global, ao mesmo tempo que aconteciam movimentos de independência. Nestes territórios a reprodução social permaneceu longe do alcance estatal.
Após os anos 60 essa estrutura do Estado de Bem-Estar Social começa a ser questionada. De um lado mulheres de classe média descontentes com o salário familiar, o mercado surgindo como novo caminho de realização, e do outro lado outros movimentos sociais entram em cena com pautas de étnico-raciais, contra imperialismo, paternalismo, e do outro o crescente neoliberalismo, defendendo “livre-mercado”, buscando quebrar as travas burocráticas do Estado para empreendimentos. Surge daí, de grupos aparentemente distantes, um neoliberalismo progressista que eliminou a proteção social, endossando a mercantilização e o discurso de emancipação.
No capitalismo financeirizado a dinâmica de gênero foi construída em cima da queda do poder real dos salários das famílias, numa passagem do “emprego fordista” para emprego precarizados, tornando impossível um salário para toda uma família. Neste modelo praticamente todos precisam dispender tempo para produção e reprodução. Com os cortes da proteção social e baixa dos salários, o capitalismo financeirizado joga a reprodução social como atividade mercantilizável. Há uma transferência do cuidado aos outros, em particular mulheres negras, migrantes, pobres.
No que tange a esfera da “natureza” é preciso desnaturalizá-la, para isso as autoras propõem a historicização das contradições entre capitalismo e predação ecológica. O capitalismo se aproveita das condições de fundo de determinada natureza e as contradições dessa relação são sempre expressas historicamente - socioecologia. Elas apontam que é preciso romper a dicotomia natureza/humanidade, posto que a natureza não humana e a sociedade humanas são inter-relacionadas.
A dinâmica do capital mina as próprias condições naturais da produção quando esgota os recursos por meio da predação, mesmo que isso signifique ameaça ao lucro – uma espécie de mais valor ecológico. Ao atingir seu limite o capital abre caminho para um novo regime de acumulação.
Adentrando nos regimes socioecológicos de acumulação. No mercantilismo agricultura e manufatura dependiam da força humana e animal. Na periferia a terra era usada até a exaustão, sem a preocupação com sua reposição, ao passo que no centro do poder, principalmente Inglaterra, a revolução científica avançava com energia fóssil, motor a vapor movido a carvão por exemplo, e liberava um pouco a terra desse ônus.
Na acumulação liberal a produção por fósseis se expandiu, mas dependência da força humana continua. A geopolítica da industrialização na Europa dependia do extrativismo nas colônias via mão de obra não livre (algodão, café, açúcar, tabaco, chá). O colonialismo busca subjugar as sociedades que não distinguiam a natureza da sociedade comodificando-as.
No capitalismo administrado pela Estado a ideia era puxar a natureza para o campo político, tornando-a regularizada pelo Estado. O petróleo ganha centralidade como recurso o período é marcado pera era do automóvel e com hegemonia da Grã-Bretanha e EUA com o fordismo. Na periferia do capital vemos vários golpes de Estados com patrocínio dos EUA ( América Latina e Golfo Pérsico), com o intuito de manter as relações internacionais de predação.  
No capitalismo financeirizado todos os pontos ruins dos outros regimes estão presentes e mais fortes. No centro há uma expansão da pós-materialidade, tais como Ti, finanças, serviços. Esse pós-materialismo é assentado na materialidade do Sul Global (mineração, agricultura e indústria) no consumo de energia de carvão, petróleo e, acrescenta-se, o gás. Isso tem como consequência um quadro no Sul Global de hiperextrativismo, poluição extrema, vulnerabilidades ocasionadas pelo aquecimento global. O neoliberalismo economiciza a natureza mesmo sem a mercantilizar com o chamado ecocapitalismo, baseado em créditos de carbono, licenças de emissão, criando uma financeirização da natureza.
No que concerna a regimes de acumulação racializada, as autoras ratificam que a história oficial da exploração depende da história de fundo da expropriação. As duas “ex” precisam de especificações geográficas e demográficas, além do esforço fundamental de historicizá-las. Além disso, as “ex” possuem duas dimensões: uma econômica que tem a ver com os custos necessários para reprodução do trabalho, caso da exploração, e quando o capital não assume esses custos, caso da expropriação; a outra é política na qual os explorados são cidadãos, com direitos políticos, acesso à proteção do Estado, enquanto na expropriação os sujeitos são dependentes, que não podem recorrer ao poder público para sua proteção.
Começando pelo capitalismo mercantil, o motor da acumulação era a expropriação e a pilhagem de terras na periferia. Nestes territórios, antes da exploração industrial veio a expropriação generalizada em África, Ásia e nas Américas na qual as massas tinham status de “nativas” e/ou “escravas”.
A passagem do mercantilismo ao liberalismo no século XIX foi caracterizada pela aproximação das duas “ex”. O domínio colonial se consolidou e consequentemente a pilhagem, EUA tinha a escravidão racial e pós-abolição havia a servidão por dívida dos negros libertos. A expropriação massiva na periferia acompanhava a exploração industrial no centro. Cria-se status diferentes para as populações no centro e na periferia com nítido caráter racial, respectivamente: trabalhador-cidadão explorável e sujeito-dependente expropriável. A separação racial foi reforçada pela separação exploração e expropriação, sendo que exploração só era lucrativa porque havia, do outro lado do globo, a expropriação, fornecedora de têxteis, minério e energia barata.
No capitalismo administrado pelo Estado a separação entre as duas “ex” começa a diminuir, pois veem que ela pode ser articulada. Nesse caso, os trabalhadores racializados recebem menos do que os custos necessários a sua reprodução. Estes trabalhadores eram explorados e expropriados pois estavam empregados no sistema fabril, mas alheios à proteção, com privação de direitos e sujeitos a violência constante.
O capitalismo financeirizado se arquiteta em outra relação entre as duas “ex”. A expropriação está em ascensão e a exploração se localiza nos Brics da semiperiferia. A expropriação atinge aqueles que outrora tinham a proteção do poder público, por meio de condições de trabalho precárias, mal remuneradas, sem sindicalização. Organizações transnacionais impingem sua agenda de austeridade a Estados pós-coloniais, exigindo cortes de serviços públicos, privatização, desdemocratização, abertura do mercado ao capital estrangeiro, transferência de riqueza ao capital financeiro e empresarial. Encontra-se um contínuo entre exploração e expropriação na figura do trabalhador formalmente livre e muito vulnerável, o qual permanece racializado, pensando as camadas mais precarizadas.
Como fechamento desse capítulo as autoras suscitam um debate sobre as estruturas de dominação e opressão no capitalismo contemporâneo. Fraser e Jaeggi não concordam com a hierarquização das dominações e, por conseguinte, com a lógica de contradição primária, secundária. A subordinação de gênero, raça, imperialismo, dominação política e ecológica são elementos estruturais inerentes ao capitalismo, da mesma forma que a dominação de classe. Elas também não compartilhavam da leitura de sistemas múltiplos, no qual capitalismo, patriarcado, supremacia branca seriam sistemas separados e que se articulam de maneira misteriosa. A proposta delas é de compreender o capitalismo como sistema que ancora todos os modos de opressão (gênero, raça e classe) em sua estrutura.  Com essa tese elas rompem com as teorias da interssecionalidade, que são descritivas e pensam os modos que as posições de sujeição atravessam umas às outras, e embasam um raciocínio explicativo, que olha para ordem social que gera as posições de sujeição, percebendo os mecanismos pelos quais a sociedade capitalista cria gênero, raça e classe como eixos que se atravessam. Eses eixos de dominação são espaços de contradição, ou seja, ao mesmo tempo são sujeição e luta social.
 Toda forma de capitalismo faz a distinção entre reprodução social e produção econômica, exploração e expropriação e as diferenças de gênero e raça são resultado das dinâmicas de poder que colocam indivíduos em determinadas posições estruturais no capitalismo. As características que a supremacia branca e a supremacia masculina vão adquirir dependem de sua conjuntura histórica.
No capitalismo financeirizado as fronteiras foram um pouco borradas, posto que a expropriação e reprodução se generalizaram. Contudo, ambas ainda recaem com maior peso sobre pessoas racializadas e mulheres. Por conta do que foi elucidado, uma libertação tendo como base as esferas de exploração e produção não pode emancipar os trabalhadores de todas etnias, raças e gêneros, da mesma forma que o foco único na discriminação, na ideologia, na cultura ou no direito, não é um caminho efeito de libertação. É preciso superar as duas “ex” e a divisão entre reprodução/produção por meio da abolição do sistema que as gera.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

E agora? Golpe, renúncia, impedimento?

Em meio a pandemia, estamos vendo o acirramento da crise política-econômica do governo Bolsonaro. A declaração e a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça foi, nesse sentido, emblemática. 

Moro na sexta-feira, dia 24/04, informa sua saída e a justifica na tentativa de Bolsonaro exercer controle da Política Federal (com foco aí na investigação de fakenews do Carluxo) além da quebra de um acordo feito que culminou na exoneração de Valeixo, ex-diretor geral da PF.

A saída de Moro rompeu parte do pacto de coalização de extrema direita no que toca ao lavajatismo e bolsonaristmo. Ninguém dúvida que sem a Lava Jato o Bolsonaro não seria eleito e não seria quem ele é hoje. Bolsonaro é cria de Moro, por isso penso que este é mais perigoso em termos político-econômico do que aquele. 

Essa ruptura de parte da base ideológica do lavajatismo tem como consequência a perda de apoio do Coiso, especula-se que em torno de 5%. Muitos sujeitos nas mídias bolsonaristas estão perdidos, pois Moro era um líder na luta anticorrupção. Inclusive grandes ex bolsonaristas já demonstraram apoio a Moro. 

Moro paga de bastião da moralidade, mas sabemos que está bem longe disso. Sabe-se, conforme vazajato do Intercept, que Moro tem intima conexões com o departamento de inteligência norte-americano. 

Ele pulou do barco, quando sua figura ficou sobre uma penumbra ( aguardava sua indicação no STF) e quando este barco estava afundando.
Moro caiu,mas caiu atirando. Por quê? Hoje Moro é candidato para 2022, com a chancela das Organizações Globo e com apoio dos EUA, mas ainda tem muito chão pela frente.
Moro é a extrema direita tecnocrática, concurseira, que paga de neutra, que agrada setores de extremadireita e direita com seu discurso e posicionamento. Não é escrachado e incontrolado como Bolsonaro. Justamente nesse ponto ele é mais perigoso, pois é meticuloso, não dá passo em falso. 

Aras, chefe da PGR, pede investigação das declarações de Moro. Vai vir coisa daí e pode desestabilizar mais esse governo. 

Quem é o próximo no paredão do Coisonaro?

A junta Ministerial com Braga Neto a frente lançou o Plano Pró-Brasil, projeto para tirar Brasil da crise do coronavírus via investimento público. Projeto que de projeto não tem nada (0,2% do PIB) pela sua rasura. Guedes marcou sua oposição ao projeto. Guedes cai será? Se cair como fica o governo Bolsonaro e sua agenda neoliberal do mercado?

E os milicos vão dar o golpe?
Hoje os militares são atores políticos centrais, cerca de 1000 no governo como um todo. 
Penso que com o Bolsonaro no governo não rolaria enrijecimento de regime, pois seria ele cortar a cabeça do resto dos milicos e isso eles num querem. Os milicos ainda tentam controlar o Coiso, mesmo diante dessa impossibilidade. 
Por outro lado, Mourão se mostrou impaciente no comunicado de sexta. Golpe no estilo clássico, de 64, não acredito não, mas penso em possíveis ameaças/acenos de Mourão ao congresso. 

Bolsonaro já acumula vários pedidos de Impeachment e Maia continua segurando. A demissão de Moro pode ser uma sinalização de Bolsonaro para o centrão, uma possível aproximação.
Ele renuncia? Mesmo perdendo apoio parcial de suas bancada, como do boi e da bala, pelo que conhecemos do Coiso eu não acredito nessa possibilidade, ele tem um orgulho militar forte demais. 

E agora, titio? No meio da pandemia e isolamento social a gente vê a extrema direita e a direita disputando protagonismo e "racionalidade". O máximo que a esquerda apresentou foi notas de repúdio. Será que vão retornar a PEC AntiMourão?

Nesse cenário conturbado o caminho é apoiar as iniciativas populares de apoio mútuo e solidariedade, dos de baixo, nas periferias, quilombos, assentamentos, aldeias.

No meio dessa treta entre bolsonaristas e lavajateiros eu fico de quebradinha vendo eles se matarem.









quarta-feira, 22 de abril de 2020

Capitalismo em Debate: Uma Conversa na Teoria Crítica - (Introdução e Capítulo 1)


FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em Debate: Uma Conversa na Teoria Crítica. 1. Ed., São Paulo: Boitempo, 2020.

Pretendo fazer uma breve resenha sobre o instigante livro Capitalismo em Debate: Uma Conversa na Teoria Crítica de Nancy Frazer e Rahel Jaeggi, autoras que merecem destaque na Teoria Crítica contemporânea.
Em traços gerais é um livro complexo, muito sólido em termos teóricos e epistemológicos, propositivo e que debruça atenção a questões sistêmicas do capitalismo com o devido cuidado com a história, com os conceitos, atores sociais, assimetrias geopolíticas de poder. Embora seja um livro produzido por e a partir de referências euro-americanas, as autoras não deixam de refletir sobre as implicações de suas análises em contextos pós-coloniais ou da periferia do capital.
O capitalista volta à cena teórica e do debate público após a crise financeira de 2007. Para elas isso abriu uma possibilidade de repensá-lo a partir de Teoria Crítica e trazer novas olhares para economia política.
Embora tenham concepções diferentes do que é o capitalismo, as duas autoras concordam que a crise não é apenas econômica no sentido estrito do termo, ou seja, do desemprego, má distribuição de renda, a problemática é mais profunda, pois trata-se de como a riqueza é produzida, o que é considerado riqueza, quanto se recebe por determinados tipos de trabalho, como ela é organizada. Isso nos traz para a raízes dos problemas de empregos precarizados e/ou mal remunerados, jornadas triplas, nossa relação predatória com o meio ambiente, relações de cuidados, enxugamento da democracia pelo mercado (desdemocratização), lobbies, dentre outros.
                Por que a Teoria Crítica abandonou o capitalismo como objetivo de análise na década de 80? Para responder a isso, Frazer e Jaeggi lançam uma dupla argumentação: avanço de concepções liberais e a proeminência do pós-estruturalismo. O primeiro argumento tem a ver com o abandona de uma crítica estrutural e fundante do capitalismo, em geral as análises liberais “igualitárias” partem do capitalismo como dado, como um fato. O segundo argumento tem a ver com fortalecimento dos pós-estruturalismo, seu rechaço pelo economicismo e seu foco em questões simbólicas, culturais, aí incluindo debates sobre raça, gênero, sexualidade. Esse distanciamento feito por autoras/es que podemos classificar como pós-estruturalista foi importante, pois aqueles debates não como reflexo da estrutura econômica, mas a partir de suas próprias normatividades e ontologias. No entanto, uma consequência ruim foi esquecer a importância da economia política nesta análise.
                A proposta das autoras vem nesse sentido, pensar uma “grande teoria” que abarque processos históricos, tensões sistêmicas, contradições e tendências a crises que são multidimensionais (não apenas econômica). Força-se a pensar as estruturas subjacentes a multidimensionalidade das crises na sociedade capitalista como um todo.

Conceitualizando o Capitalismo

                Este capítulo gira em torno do debate em caracterizar o que é o capitalismo, quais os elementos centrais que transformam uma sociedade em capitalista.
Para responder essa indagação as autoras afirmam que o capitalismo é inerentemente histórico e apresenta, para além de variedade, regimes em diferentes momentos históricos: mercantilismo, liberalismo, capitalismo de Estado ou dirigismo estatal e neoliberalismo ou capitalismo financeiro.
A princípio elas partem das definições de Marx: propriedade privada dos meios de produção e divisão de classe entre proprietário e trabalhadores; um mercado de trabalhadores livres; acumulação de capital, valorizando lucro e não necessidades. Após isso elas sugerem uma quarta característica que é apresentada na centralidade dos mercados na provisão da sociedade capitalista. Mercado não é sinônimo de capitalismo. O que caracterizaria os mercados na sociedade capitalista seria a comodificação, que é, de forma simplificada, tornar bens, serviços, insumos em mercadoria, além dos próprios meios de subsistência e assuntos humanos fundamentais.
É possível distinguir mercados em três usos: distribuição, alocação e formativo. Os distributivos gerem bem tangíveis para consumo pessoal; os alocativos direcionam os recursos para interesse coletivos e transindividuais, mas frisa-se que o capitalismo usa o produto social e coletivo para riqueza individual; os formativos que estruturam a dinâmica das nossas relações sociais, instrumentaliza as nossas relações pois a troca de mercadoria penetra profundamente no tecido social. No capitalismo a questão central é da alocação de insumos (incluindo trabalho humano) e excedente.
As autoras até aqui refutaram a tese de que o capitalismo se resume ao sistema econômico e de que este é autônomo em relação ao resto do social. A partir disso elas começam um movimento de desortodoxar essa teoria, trazendo novas epistemologias para pensar a processo de acumulação de capital socio-historicamente, indo para além de Marx.
Uma dessas novas epistemologia é o trabalho reprodutivo, conceituado por feministas marxistas e socialistas. Essa noção toca em temas trabalho reprodutivo não remunerado, em sua maior parte, esfera do cuidado, do prover, afeto, mas também corre em vizinhanças, associações de bairro e hoje esta também em espaços mercantilizáveis. Essa atividade é fundamental para a existência do trabalho assalariado e à acumulação. O trabalhador assalariado pode ser explorado na existência do trabalho domestico, pois mantem as gerações futuras e os vínculos sociais, logo é um plano de fundo do capital. Frazer e Jaeggi argumentam que o deslocamento da produção a reprodução social é um artefato histórico do capital e que as sociedades capitalistas têm uma tendência a crise econômica e socioreprodutiva.
A segunda mudança epistêmica é aquele pensamento que traz a ideia do uso indiscriminado da natureza. Natureza é incorporada ao capital como uma fornecedora inesgotável de insumos garantido a reprodução capitalista. Aqui a natureza é entendida em oposição à humanidade, na qual a primeira seria a-histórica, dada objetivamente e material, enquanto a segunda é histórica, sociocultural. Após séculos de usurpação a natureza grita como um foco de crise capitalista, olhemos, por exemplo, para comodificação da agua.
Outra episteme é da economia à politica. O velho e grande debate liberal em todos seus matizes. As autoras rechaçam a ideia de economia como esfera autônoma e autoregulada, como vimos, porque a economia depende de um aparato estatal jurídico para sua permanência. Direitos a propriedade, contratos, sustentação de empresas privadas, a troca, criação e manutenção de moeda, tudo isso depende de um poder politico. Um elemento central aqui é o direito internacional, que opera para além das fronteiras dos Estados Nacionais, acordado com grandes potencias e organismos supranacionais para circulação de capital. Nesta geopolítica temos outras divisões estabelecidas pelo imperialismo em sua gramática centro e periferia.
 Assim o Estado constitui a economia capitalista. O capitalismo estabeleceu essa separação, que inexistia no feudalismo, e a implicação é que cada poder tem sua esfera, seu modo de operar, embora sejam inter-relacionados.
Como apontado, surge uma outra divisão que é a centro-periferia. Essa divisão nos leva a temas estruturantes da sociedade capitalista, como o de raça. Fazendo um paralelo à dominação de gênero e ao heteropatriarcado que tem base na separação entre produção e reprodução social, a raça tem base no que as autoras chamam de exploração e expropriação. Enquanto a exploração pressupõe um trabalhador “livre” e “consenso contratual”, a expropriação é a acumulação por outros meios, ela dispensa essas características.
O argumento de Frazer e Jaeggi é que não pode haver exploração sem expropriação, que as duas “ex” mudam status dos sujeitos, posto que os explorados são sujeitos de direitos, cidadão e os expropriados são não livres, sem proteção política e jurídica e essa distinção de status está atrelada a populações racializadas. Esta distinção é rascunhada politica e economicamente pelos Estados, na qual com a exploração os custos de reprodução do trabalhador são pagos ao passo que na expropriação não, o que coloca os expropriados como fundamentais para acumulação de capital. Olhemos para o Brasil escravista e o status conferido a população escravizada nas plantações de café e açúcar.
As autoras avançam mais na tese afirmando que a expropriação é pré-condição e condição contínua sine qua non para o axioma de acumular mais e mais. A conclusão é de que a opressão racial é sistêmica e estruturante dos regimes capitalistas.
Neste momento as suscitam um debate acerca do que chama de primeiro plano e plano de fundo do capitalismo, com o intuito de relativizar a forma mercadoria e dizer que ela não é onipresente, pois o capitalismo necessita de esferas não mercantilizáveis, como dito anteriormente. As esferas do social, ecológica e política tem gramáticas normativas e ontológicas próprias. Por exemplo, algumas práticas de reprodução fortalecem ideias de solidariedade e na esfera da natureza não humana princípios de não dominação na natureza, auto sustentabilidade.  Aí há uma divergência entre primeiro plano e plano de fundo, posto que o primeiro plano opera na lógica de eficiência, crescimento, mérito, escolha individual.
Cabe sublinhar que a dinâmica de relações entre os planos não é intransponível e também não são “incontamináveis”, posto que não são duas lógicas diferentes, de instituições contrastantes. A proposta é pensar que as sociedades capitalistas institucionalizam diversas ordem normativas e ontologias, aí Frazer recupera sua concepção de capitalismo: como uma ordem social institucionalizada e aponta, novamente, para as divisões institucionais e regimes de acumulação que ela vê: produção econômica e reprodução social; separação institucional entre econômica e política; divisão entre mundo humano e mundo natural; exploração e expropriação. Aqui Jaeggi tem outra perspectiva, ela concebe o capitalismo como um contexto de práticas sociais e dentro de práticas sociais, isto é, práticas sociais relacionadas com outras instituições e práticas sociais econômicas e não econômicas, concebidas como práticas agregadas.