Nesta resenha pretendo fazer uma
sucinta apresentação do texto “Escrito Contra Marx” que é um fragmento que
compõe a continuação do Império Cnuto-germânica de Mikhail Bakunin.
Bakunin vai dedicar este livro ao
debate travado no seio da AIT entre socialistas antiautoritários e socialismo
autoritário, personificado na figura de Marx, trazendo a grande polêmica em
torno da obrigatoriedade do programa de conquista do poder política estabelecido
na AIT no Congresso de Haia. Além de ser um texto que suscita esse debate
importantíssimo e que tem implicação na política contemporânea entre marxistas
e anarquistas, Bakunin faz uma análise “psicológica”, assim digamos, do
personalismo em torno de Marx e uma defesa da ala de socialistas
antiautoritários na AIT.
Bakunin inicia o texto falando o
porquê da criação da AIT e seu objetivo que são respectivamente: a exploração
burguesa é solidária internacionalmente, logo a organização dos trabalhadores contra
essa exploração também deve ser; a AIT é uma associação de internacional que luta
pela emancipação econômica dos trabalhadores e essa emancipação só pode ser
obra deles próprios.
Ele aponta isso para fazer a
crítica a Marx na sua imposição de um programa político de conquista do Estado,
via eleições burguesas, como obrigatório na AIT, algo que está intimamente
ligado a autopromoção da figura do Marx. A grandeza e amplitude de militantes
na AIT reside no fato de a emancipação econômica ser a unidade que abarca
trabalhadores de todo o mundo, a obrigatoriedade do programa política é cindir
isso, da mesma forma que seria estabelecer uma obrigatoriedade religiosa.
Marx e Engels colocam a conquista
do poder político como o primeiro dever dos trabalhadores, segundo circular de
1864. Marx, nesse sentido, estimula a formação do partido social democrata
Alemão, pois compartilham desse entendimento.
O Congresso de Genebra (1866)
rechaça qualquer obrigatoriedade de princípios políticos e/ou ideológicos. O
mesmo acontece no Congresso de Lausanne em 1867 e de Bruxelas em 1968. Três
anos consecutivos de perda de proposta. Em 1869 as condições pareciam
favoráveis a Marx no Congresso de Basiléia, pois havia se organizado com a
seções da Suíça Alemã, Zurique e Basiléia e os delegados da Alemanha estavam em
peso. Perderam novamente.
Em 1871 no Congresso de Londres
Marx já havia arquitetado tudo com antecedência, pois era do Conselho Geral, e
aprovou-se a questão política e a conquista do poder pelo proletário. No
Congresso de Haia em 1872 que a manobra de Marx foi concretizada.
Bakunin diz que nenhum programa
político uniforme poderia dar conta de contemplar os proletários da Europa à
América em condições de desenvolvimento econômico, temperamento, e de cultura
tão diferentes. Se acreditarmos que o programa política deve entrar na AIT ele
deve ser apenas um, pois de outra forma haveria tantas várias Internacionais
dentro da Associação. Para ser uno tem de vir de cima para baixo, foi o que
ocorreu no Congresso de Haia. Aí coloca-se o dilema: Ou unidade com escravidão;
ou liberdade com divisão e dissolução.
Qual saída? A saída disso seria
voltar aos estatutos primeiros e dissolver a obrigatoriedade política, deixando
na responsabilidade de cada seção seguir a direção que quiser, pois aí a
unidade política surgirá, não da cabeça de um douto, do socialismo científico,
de uma mente ambiciosa, mas da ação livre dos trabalhadores de todos países.
Um programa político só faz
sentido se sai das generalidades e determina bem as instituições que pretende
instituir no lugar das que vai derrubar. O programa do Marx é centralizador,
composto por um governo muito forte, gerida por uma camada de proletário semi
burgueses, mais civilizada sobre a maioria de lumpemproletariado (camadas mais
pauperizadas – na qual Bakunin aposta ser protagonista da Revolução Social).
As massas desejam a emancipação
econômica, porque é aí que reside a liberdade para elas, além da unidade da
exploração e das dores cotidianas. As massas se uniram na AIT porque
compartilhavam a miséria, a exploração, o sofrimento sobre o julgo do capital e
da propriedade privada e aí cabia uma luta solidária.
Mas por que o programa de Marx?
Porque Marx tentou personificar a AIT em sua figura, como representativa
legítima e fidedigno da Associação.
A Aliança, seção da AIT, da qual
Bakunin faz parte, junto com outras seções (suíça, espanhola, italiana,
francesa) defendem a abolição desse programa político.
Seria proibido ocupar-se de
questões políticas e filosóficas na AIT? Nada disso, impossível. Ela não deve
ser imposta como obrigatória, deve vir da discussão vida dos trabalhadores e do
mundo do trabalho. Isso se daria dentro da própria AIT – política negativa –
pela unidade da emancipação econômica que comporta um argumento de dois níveis:
a) proletário entra na Associação destruindo fronteira políticas dos Estado,
patriotismo e b) acentua a separação trabalhador e burguesia, pois se coloca
fora do jogo da política burguesa e se coloca contra ela. AIT colocada fora do
mundo burguês estabelece a solidariedade internacional entre trabalhadores.
Todas questões políticas e
filosóficos teriam como ponto de partida a reivindicação econômica, caso das
caixas de resistência e solidariedade das greves, pela federação internacional
dos corpos de profissão e pelo desenvolvimento espontâneo das ideias
filosóficas.
Bakunin vai discorrer sobre as
caixas de resistência que tem como objetivo criar fundos necessário para as
greves, tornando-as possíveis. As greves têm importância em dois aspectos:
despertam antagonismo de classe, fortalecem, agitam as massas e criam a
solidariedade entre trabalhadores. O autor vai mostrar porque os radicais e
socialistas burgueses são contra as greves, pois, defendem a conciliação de
classe e um Estado unitário, republicano e democrático. Para isso é preciso
derrubar o que já existe, levantando entre as massas ideias de patriotismo com
o intuito de instrumentalizá-los. Essa ação é feita com a burguesia.
O socialista antiautoritário aqui
traça um paralelo entre Mazzini e Marx, com ênfase na ideia de Marx de que
talvez na Holanda a questão social possa ser resolvida de forma amigável, legal
e sem luta e que a emancipação só pode ser feita via Estado centralizador, com
governo muito forte. Bakunin brinca afirmando que Mazzini crê em Deus e Marx
crê em si mesmo.
Após isso, o autor faz um elogio da liberdade,
enquanto direito político, na Inglaterra e EUA, coisa que achei no mínimo
curiosa. Busca explicações disso no temperamento e hábitos sociais desses povos,
afirmando que apenas estes têm consciência política.
O socialista antiautoritário se
pergunta, como esperar essa consciência de um povo? Pela propaganda? Não. A consciência é fruto do desenvolvimento espontâneo
das condições de vida. Pode-se estimular a consciência que já tem e que não
está latente, mas não dar o que não possuem. Nas massas o que pode constituir
essa consciência é a revolta, a qual é instinto da vida.
Então a consciência política é
diferente para classes privilegiadas e massas. As massas têm a consciência na
revolta contra o Estado, porque estas são esmagas, humilhadas, transformadas em
rebanhos.
Aqui os Marxistas vão dizer que o
Estado não é responsável por essa condição, mas é uma condição inevitável do
desenvolvimento econômico, que para eles do ponto de visto histórico é um
avanço, pois o Estado militar e burocrático é um acompanhamento obrigatório da
revolução – condição sine qua non.
Nós reconhecemos, diz Bakunin, a lógica dos eventos, mas não os louvamos,
pois defendemos o triunfo da liberdade e o pleno desenvolvimento material,
intelectual e moral pela organização livre e espontânea e da livre
solidariedade econômica e social.
Essa crítica de Bakunin toca um
assunto polêmico que é a possível teleologia em Marx. O militante
antiautoritário aqui traz alguns exemplos históricos dessas concatenação de
fatos históricos consolidados e sua defesa de denunciá-los. Ele cita condições
sociais e políticas de alguns lugares: Grécia/roma, cristão/pagão, Renascença/
Império Italiano, analisa a França no conflito entre protestantes e católicos,
cuja a vitória dos católicos foi vista por alguns políticos e historiadores
fatalistas como avanço para a revolução, pois o catolicismo era o Estado,
democracia, e o protestantismo representava a revolta da aristocracia contra o
Estado,democracia (aqui se aproxima de Hegel: protestantismo religião da
razão). Esse é um sofisma idêntico aos marxistas ao considerar tiranos como
possíveis emancipadores.
Bakunin, em acordo com o Sr.
Veuilot – intelectual defensor católico - diz que é mais verdadeiro considerar a
semelhança entre a noite de São Bartolomeu e o massacre dos communards, posto
que o protestantismo, não como teologia calvinista, representava revolta,
liberdade, humanidade, enquanto o catolicismo era ordem da Igreja e Estado,
escravidão sem limite e fim. Bakunin diz que era um fato consumado inevitável,
mas não deixa de dizer que foi infelicidade para humanidade.
Bakunin diz que esses patriotas
não percebem que um povo que suporta a todo custo a tirania se acostuma a ela e
perde instinto de revolta. Conforme debatemos no último encontro parece haver
em Bakunin um instinto imanente a revolta, mas nesse texto ele vai explicitar
que a compreensão dele de instinto tem a ver com condicionamentos
histórico-sociais, como veremos mais a frente. Aí ele cita que a queda do protestantismo na
França fez com que o povo perdesse o que ele chama de consciência política.
Isso após os grandes dias revolucionários (creio eu que esteja falando da
Comuna de Paris).
Aqui entra a questão da partilha
da Polônia. Marx aqui denuncia como crime e Bakunin está de acordo. O que
Bakunin se pergunta é porque Marx avalia a partilha da Polônia sob o seu olhar
humanista e não pelo fatalismo histórico? Porque Marx é um ardente patriota e
assim como Bismark deseja um Estado pangermânico, porém por vias diferentes.
Essa concretização encontro 3 obstáculos: a) rivalidade dos dois maiores
Estados Germânicos: Áustria e Prússia; b) inveja da França; c) Ameaça do
Império da Rússia que se coloca como protetor dos povos eslavos contra
Alemanha.
Os dois primeiros obstáculos
foram de certa maneira resolvidos pela Bismark. Áustria, que não soube germanizar
os eslavos em seu domínio, saiu como perdedora no conflito com exército da Prússia.
Sobre a França, Bismark e Marx sabem que antes de iniciar um conflito entre
Pangermanismo e o pan-eslavismo sob a figura do Czar é necessário para acabar
com a França. (por uma aliança tática).
França encontra-se enfraquecida,
mas não derrotado e não esqueceu as baixas que levou da Alemanha. Ela buscará
revanche seja por conflito entre Estados ou por Revolução Social que derrubará
tanto Estado Francês quanto Alemão. Bismark está ciente disso e por isso mantem
aliança com Czar.
Bismark é um político muito
esperto e sabe que na política não há amizade, assim ele vai mantendo a
proximidade com o Czar, até o momento de liquidar o Império Russo.
Marx é sucessor da política de
Bismark, pois seu confidente, Engels, escreveu para Bismark saudando-o pela
causa que faz a revolução social.
O que os separa é a forma e
condições do governo. A distinção de Bismark e Marx é que o primeiro é
aristocrata e monarquista enquanto o segundo é democrata, socialista
autoritário e republicano.
O que os une? Culto ao Estado. O
Estado é condição necessária para prosperidade de um e emancipação do outro. Bismark evidentemente é homem de Estado. Marx
também, tanto que quis instaurar um governo na AIT, no estatuto de seu partido
Alemã está nítida a necessidade de um grande Estado Popular.
Quem fala em Estado quer dizer
Estado particular, limitado, e não universal. Marx governará um Estado e
existirão outros. Isso inevitavelmente significa inveja, guerra, concorrência,
porque é da natureza do Estado romper solidariedade humana. Isso é ruptura com
a moral e razão humana universais, pois há uma moral e razão de Estado que é o
patriotismo.
Para conservar o Estado precisa de
força externa e internamente. Deve cuidar do pensamento e atos de seus súditos
para que não surjam inimigos internos. Até a existências das forças armadas será
necessário controle da educação, censura, instrução, polícia, correntes de
opinião (meio de comunicação fazendo um paralelo). É impossível um governo
atender as vontades universais – a vontade do povo - , a menos que seja dotada
de onisciência, onipresença e onipotência, brinca Bakunin. Sempre haverá
descontes porque haverá sacrificados.
Essa abstração de representar a
vontade do povo sempre existiu, na igreja chama-se Clero e no Estado é a classe
dominante.
Marx afirma que em seu Estado não
haverá nenhuma classe. Bakunin diz que prometem isso, mas haverá um governo,
que vai administrar as massas politicamente e fazer gestão econômica
(concentrando produção, repartição de riquezas, terra, desenvolvimento das
fábricas, comércio e por ai vai). Será um governo da inteligência científica, o
mais aristocrático e despótico. Haverá uma minoria dominando em nome da Ciência
por cabeças transbordantes de cérebro e uma imensa maioria dominada.
Como Marx lida com a contradição
de seu pangermanismo e sua luta pela emancipação dos trabalhadores de todo o
mundo? Convencer e persuadir a sai mesmo e outros de que a emancipação do
Estado Alemão é a condição máxima de emancipação de todo mundo.
Bakunin diz que essa ideia não é
nova e se remete a concepções da criação de uma grande pátria alemã fundada sob
dominação dos eslavos que habitam a Prússia.
O autor volta a pensar a cultura
alemã e diz que unicamente aí o protestantismo foi religião do despotismo, pois
a obediência e resignação são virtudes de súditos e estão no povo alemão. No império Cnuto-Germânico Bakunin vai
mostrar com a nação alemã estava na total escravidão e obscurantismo ao longo
da idade média. Embora tenham acontecidos levantes camponeses, durante
reprimidos e condenados.
Marxistas e burgueses radicais
dizem que essas revoltas camponeses representavam a reação e que era preciso reprimi-las.
Camponês só faz reação, revolução como tal é civilizada, científica. Os
camponeses foram derrotados pelos nobres. Ai que se desenvolve o fortalecimento
do Estado militar e burocrático como pretensamente progressista e
revolucionário.
Os camponeses esmagados,
dizimados, na miséria e sob o dogma cristão não se insurgem mais. Alemanha se tornou
assim paraíso dos tiranos, da submissão, por 3 séculos. Caída numa mediocridade
intelectual e material, os consolos vinham da religião cristã. Isso marcou
passagem da idade média a era moderna na Alemanha.
Bakunin resume esse período do
feudalismo a essa nova força do capital nas palavras: empobrecimento, mal-estar
material, fraqueza intelectual e moral. Alguns escritores, patriotas, atribuem
isso a guerra de 30 anos (1618-1648 – série de guerras de diversas nações europeias
motivas por razões territoriais, comerciais, religiosas), na qual Alemanha foi
duramente atingida. Mas, Bakunin
pergunta, qual outro país não passou por coisas semelhantes? Da morte de Lutero
(1546) até primeiros escritos de Lessing (1750) houve uma interrupção do
pensamento intelectual e vida moral.
A teologia luterana dominava, o
direito pregava poder absoluto do soberano, era uma pátria de tiranos, composta
por lacaios. Além da teologia e do direito, havia a ciência a serviço do Estado
(diplomacia, administração, finanças), embora não houvesse exatamente um Estado
Alemão, mas sim infinidades de Estados, com Áustria na frente.
Bakunin diz que a burocracia surge
e se fortalece na Alemanha, inclusive é onde se tornou ciência e arte. A
diplomacia, embora tenha surgido na Itália, também ganha terreno fértil na
Alemanha.
Bakunin
volta a pensar Estado e se apoia em Maquiavel – Estado só existe pela violência
e não é outra coisa que violência sistemática impostas as massas. Estado é
colocado como objetivo supremo, na qual todo humano deve se sacrificar e os
crimes cometido no interesse do Estado se tornam virtudes.
Conclusão
de Bakunin é que nenhum povo, diante de quadro de século, pode ficar
indiferente aos condicionamentos. Por isso a unificação alemã só poderia ser
realizada via Estado e não pela mobilização popular. A unificação apenas viria
da absorção violenta de um Estado Forte, pois só uma pequena fração da
burguesia radical vai para luta. Para fundar um grande Estado, unitário, as
massas precisariam primeiro destruir os pequenos Estados.